VALDIRENE CÁSSIA DA SILVA
WELLINGTON GOMES MIRANDA
(orientadores)
RESUMO: Diante de um cenário histórico de ocupação territorial, ao qual relaciona-se diretamente com as questões ambientais, o presente artigo levanta o contexto histórico do domínio de ocupação de terras no país e a necessidade da reforma agrária, bem como as garantias normativas da referida reforma que atendem o desenvolvimento socioeconômico e preservação ambiental. Nessa perspectiva, busca-se tratar do licenciamento ambiental concernente à reforma agrária, descrevendo os principais conceitos e aspectos legais. O estudo intenta promover a reflexão acerca da eficiência do procedimento de licenciamento ambiental em face da reforma agrária, assim como analisar seus impactos econômicos e ambientais. A escolha da temática deu-se pela atuação jurídica do pesquisador como estagiária no ramo de Direito Ambiental e Agrário. Como metodologia, adotou-se o método dedutivo em uma abordagem qualitativa, utilizando-se o modelo de pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: Reforma agrária; Licenciamento ambiental; Preservação ambiental; Desenvolvimento socioeconômico.
ABSTRACT: Faced with a historical scenario of territorial occupation, to which it is directly related to environmental issues, this article raises the historical context of the land occupation domain in the country and the need for agrarian reform, as well as the normative guarantees of this reform that meet socioeconomic development and environmental preservation. From this perspective, it seeks to deal with environmental licensing related to agrarian reform, describing the main concepts and legal aspects. The study aims to promote reflection on the efficiency of the environmental licensing procedure in the face of agrarian reform, as well as to analyze its economic and environmental impacts. The choice of thetheme was due to the legal performance of the researcher as an intern in the field of Environmental and Agrarian Law. As methodology, the deductive method was adopted in a qualitative approach, using the bibliographic research model.
Keywords: land reform; environmental licensing; environmental preservation; socioeconomic development.
Sumário: 1. Introdução; 2. Reforma agrária; 3. Procedimento administrativo de licenciamento ambiental; 4. Interação entre o desenvolvimento socioeconômico e a proteção ambiental; 5. Considerações finais; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O tema abordado está inteiramente relacionado com acontecimentos históricos, pois, desde o descobrimento do Brasil há uma disputa por terras em todo o território nacional.
De acordo com Neto (2018), as consequências da má política de distribuição de terras na história ocasionaram vastas distorções na estrutura fundiária nacional e, por isso, exigiu-se deliberações para resolver a questão, sendo uma dessas medidas a então reforma agrária. Assim sendo, a necessidade de mudanças na estrutura fundiária do país proporcionou o surgimento da reforma agrária.
Nesse diapasão, diante de um cenário em que há a atuação do homem sobre a ocupação do solo, torna-se imprescindível abordar as garantias ao meio ambiente em face da reforma agrária. Nessa perspectiva, trata-se neste estudo diversos aspectos legais, em especial a Resolução 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, em que sua promulgação determinou o licenciamento ambiental nos projetos de assentamentos, promovendo assim o encontro entre reforma agrária e o meio ambiente.
Importa então analisar a legislação básica do procedimento administrativo de licenciamento ambiental que, segundo Machado (2020), concede a licença para atividades ou operação de empreendimentos que fazem uso de recursos naturais. Dessa maneira, observa-se que o referido empreendimento traz um liame entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, portanto torna-se preciso analisar esta interação.
Com intuito informatizar, a referida pesquisa objetiva apresentar brevemente uma análise a relação entre o homem e uso da terra estabelecido pela reforma agrária, bem como os procedimentos adotados do licenciamento ambiental em face dos assentamentos para fins de reforma agrária, para então compreender a interação entre o desenvolvimento socioeconômico perante o meio ambiente.
Com este alicerce, ao vislumbrarmos a crescente demanda de regularizações fundiárias rurais, contribuindo para abertura de licenciamentos ambientais para fins socioeconômicos, importa examinar seus impactos no meio ambiente.
A metodologia se faz fundamental para conseguir informações fundamentais sobre o problema, para alcançar uma resposta, assim como uma confirmação ou negativa das hipóteses. Nesse aspecto, a pesquisa utilizará o método dedutivo em uma abordagem qualitativa, assim como o modelo de pesquisa bibliográfica.
2. REFORMA AGRÁRIA
Preliminarmente, para melhor compreender o plano de Reforma Agrária, importa fazer um breve histórico da maneira que houve a distribuição das terras brasileiras, pois esta questão fora responsável pelo nascimento da referida reforma.
É importante, de antemão, relembrar a forma como a Coroa Portuguesa recebeu o domínio da ocupação das terras brasileiras. Nesse sentido, Marques e Marques (2017) retratam a importância jurídica do Tratado de Tordesilhas na formação do sistema fundiário brasileiro, pois este documento pactuado, entre Portugal e Espanha, determinava que a titularidade das terras eventualmente descobertas no mundo seria de domínio de quem as descobrisse. Portanto, visto que a descoberta do Brasil fora por Pedro Álvares Cabral, de Portugal, o domínio sobre as terras brasileiras ficou conferido à Coroa de Portugal.
O Brasil no período colonial estava sujeito ao regime sesmarial, no qual as terras eram concedidas a indivíduos privilegiados, este regime foi responsável por gerar vícios no sistema fundiário, presentes até hoje. Assim sendo, Portugal planejou ocupar a extensão territorial brasileira por meio deste regime, surgindo então a propriedade privada no Brasil, a partir daí, o processo de ocupação da terra passou a ter proprietários (MARQUES; MARQUES, 2017).
Nesse aspecto, Souza et al. (2020, p. 259) pontua que “a estrutura fundiária brasileira herdou como principal característica do ‘Sistema Sesmarias’ a alta concentração de terras (latifúndios), acentuando a desigualdade social rural”.
Observa-se então que, o processo de colonização introduziu um sistema desigual de distribuição, o que caracteriza também desigualdade social, pois somente os indivíduos de escolha da coroa portuguesa recebiam terras.
Após a abolição das sesmarias e o regime de posses no Brasil, houve mudanças significativas quanto ao acesso à terra em razão da promulgação da Lei de Terras. Nesse contexto, Neto (2018) discorre que a Lei de Terras de 1850 pretendeu estabelecer uma organização fundiária, por conta do grande passivo de regularização de terras que foram concedidas através de Cartas de sesmarias no período Brasil-Colônia.
Frente a esse contexto histórico, Havrenne (2018, p. 57 e 58) constata que:
Diante de um panorama histórico, constata-se que a Lei de Terras de 1850 foi um dos mais importantes diplomas jurídicos a tratar do tema regularização fundiária, aplicando-se também aos posseiros. A confusão legislativa que se implantou desde o ‘descobrimento’ do Brasil gerou consequências nefastas, sendo a principal desarranjo patrimonial, que vigora até os dias atuais.
Portanto, desde o descobrimento, a disputa territorial é recorrente nos estados brasileiros. Isso se deve ao não ordenamento fundiário com medidas que resolvessem ou até mesmo prevenissem o problema que hoje atinge muitas famílias brasileiras. Muitos estudos surgiram e, também, alguns decretos, leis e instruções normativas com o propósito de regulamentar e ordenar a distribuição de terras no território nacional.
Nessa linha, Rocha et al. (2019) acentua que no processo de ocupação no Brasil, poucos indivíduos foram privilegiados em receber terras e, ainda, houve a devolução de hectares para o Estado. Em momento posterior, a crescente pressão em exigir o acesso à terra de forma justa ocasionou o posicionamento do Estado brasileiro em adotar medidas para redistribuir e reordenar a estrutura fundiária do Brasil.
Segundo Havrenne (2018), o acesso à terra através da regularização fundiária é importante para a execução da Justiça Social, dado que este princípio objetiva distribuir de maneira adequada as riquezas para trabalhadores que visam produzir no campo. Sendo assim, a regularização fundiária luta contra a exclusão social, realizando melhor distribuição de terras em atendimento ao princípio da Justiça social.
A partir disso, houve então o surgimento da lei nº 4.504/1964, denominada Estatuto da Terra, que tratava acerca da estrutura agrária a ser seguida pelo governo brasileiro. Em seu artigo 1º e § 1º, a referida lei descreve que “considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade” (BRASIL,1964).
Os objetivos da reforma agrária são traçados pelo artigo 16 da lei supracitada, em que dispõe:
A Reforma Agrária visa estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio (BRASIL,1964).
Assim sendo, nota-se que a reforma agrária apresenta medidas importantes que garantem a democratização da terra, bem como o cumprimento da Justiça Social e o desenvolvimento econômico do Brasil.
Ainda, nesse entendimento, Souza et al. (2020, p. 259) destaca:
A reforma agrária surge com o objetivo de fazer cumprir a destinação econômica e social da terra, para que seja devidamente utilizada, promovendo melhor distribuição mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de estabelecer aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.
Segundo Havrenne (2018), o acesso à terra através da regularização fundiária é importante para a execução da Justiça Social, dado que este princípio objetiva distribuir de maneira adequada as riquezas para trabalhadores que visam produzir no campo. Sendo assim, a regularização fundiária luta contra a exclusão social, realizando melhor distribuição de terras em atendimento ao princípio da Justiça social.
A reforma agrária é um dos instrumentos responsáveis pela efetivação da regularização fundiária rural. Em virtude disso, a Lei nº 13.465/2017 fez alterações significativas na Lei 8.629/1993, em que aborda a modalidade de desapropriação para fins de reforma agrária. Por meio dessa modalidade, são assentadas pela União às famílias carentes em imóveis rurais que não estejam efetivando a função social da propriedade (FREIRIA; DOSSO, 2021).
A Resolução do CONAMA nº 458/2013, em seu art. 2º, conceitua assentamento de reforma agrária como:
I - Assentamentos de reforma agrária: conjunto de atividades e empreendimentos planejados e desenvolvidos em área destinada à reforma agrária, resultado do reordenamento da estrutura fundiária, de modo a promover a justiça social e o cumprimento da função social da propriedade;
Para se fazer cumprir a função social da propriedade rural, o Artigo 188 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) dispõe que as terras públicas e devolutas serão destinadas para o desenvolvimento da política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária, e estabelece em seu artigo 186 os seguintes critérios para o cumprimento da Função Social da propriedade rural:
I- aproveitamento racional e adequado; II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Dessa forma, o cumprimento da função social rural se dá com a utilização da propriedade dentro dos limites normativos, que estabelecem o uso racional dos recursos naturais da propriedade somado ao cumprimento das responsabilidades das relações trabalhistas.
A reforma agrária possui dois principais modelos. O primeiro denomina-se Marxista-Lenista ou Coletivista de Confisco da propriedade, no qual não existe pagamento de indenização, e o Estado recebe a propriedade e dispõe dos meios de produção, tendo o homem do campo somente o direito de uso da terra. Em relação ao segundo modelo, este adotado no Brasil pela definição do Artigo 184 da Constituição Federal de 1988, nomeado Liberal ou Privatista, determina que há justa indenização em dinheiro pela desapropriação e, com isso, pertence a terra àquele que a explora, e que garante o implemento da função social da propriedade (SOUZA et al., 2020).
De acordo com Marques e Marques (2017), o Estatuto da Terra não possuía em seu texto legal a preocupação com preservação ambiental, apenas preocupou-se em conceituar a função social, todavia, a Constituição Federal de 1988 adicionou a preocupação com a preservação ambiental. O autor ainda destaca que a Constituição Federal abrigou o princípio da função social da propriedade da terra, com modificações na redação, mas sem alterações substanciais em seu conteúdo.
Ainda nesse sentido:
A função social, com a respectiva valoração dos potenciais produtivos sob as óticas social, econômica e ambiental da terra, constitui ao proprietário, possuidor ou posseiro agrário obrigação constitucional da trato continuado. Ao deixar de cumpri-la, pela simples desobediência a um dos índices de utilização e eficácia do uso da terra ou a qualquer um dos requisitos ora estampados na Constituição (de produtividade, social ou ambiental), o proprietário arcará com a possibilidade da sanção de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. (NETO, 2018, p. 42)
Dessa maneira, o descumprimento de qualquer dos múltiplos deveres constitucionais que empregam a função social da propriedade resultará na desapropriação para fins de reforma agrária. Em outras palavras, a desapropriação para fins de reforma agrária está condicionada ao não cumprimento da função social da propriedade, o que se relaciona com o princípio da Justiça social.
Sobre o assunto, de acordo com Souza et al. (2020), a materialização da Reforma Agrária é impulsionada através de muitos movimentos sociais, sendo que o principal é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, no qual surgiu com o intuito de se fazer cumprir a função social da propriedade, visando melhor distribuição de terras e para que seja garantido as disposições essenciais para exploração do campo.
Importa destacar ainda que, o artigo 184 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) dispõe acerca da competência exclusiva da União desapropriar do imóvel que não estiver cumprindo sua função social. Nesse sentido, não é cabível aos municípios ou estados-membros a desapropriação de imóvel visando interesse social.
Ainda, o Decreto Lei nº 1.110, de 9 de julho de 1970 regulamentou a criação da entidade autárquica denominada Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, cuja responsabilidade é a implementação da reforma agrária, bem como a realização do ordenamento fundiário nacional (SOUZA et al., 2020).
Ademais, sobre o processo de regularização fundiária rural tomamos como base a Instrução Normativa do INCRA nº 104, de 29 de janeiro de 2021 em seu Artigo 11 (BRASIL, 2021), dispõe sobre as etapas desse procedimento:
Art. 11. O procedimento para regularização fundiária de ocupações incidentes em terras públicas rurais da União e do Incra, será instruído mediante processo administrativo de habilitação dos imóveis pretendidos, conforme as seguintes etapas: I - apresentação pelo requerente, por meio físico ou eletrônico, da documentação exigida, conforme disciplinado nesta norma; II - análise das ocupações por meio do sensoriamento remoto; III - verificação das informações declaradas com outras bases de dados do Governo Federal; e IV - realização de vistoria presencial, nas hipóteses aplicáveis.
De forma precisa, a Instrução Normativa nº 104, (BRASIL, 2021) estabelece etapas para os procedimentos administrativos e técnicos no procedimento de regularização fundiária rural, a começar da apresentação do requerimento até a concessão do título sobre a área. Após a conclusão do processo é emitido um título de posse provisório, para ter direito definitivo à posse da terra, o beneficiário deve cumprir algumas exigências por um prazo de 10 anos.
De acordo com o artigo 36 da Instrução Normativa nº 104 (BRASIL, 2021), dentre as principais exigências destacam-se “a manutenção da destinação agrária, por meio de prática de cultura efetiva; o respeito à legislação ambiental; a inalienabilidade do imóvel e a não exploração de mão de obra em condição análoga à de escravo”.
Por sua vez, importa destacar a seguinte afirmativa de Neto (2018, p. 225):
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nos autos do Mandado de Segurança 22.164/SP, dizendo que a própria Constituição Republicana de 1988 exige do poder público o dever de respeitar a integridade do patrimônio ambiental, impondo-se o dever de intervir na propriedade privada, a fim de promover a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos requisitos da função social consiste na utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da lei fundamental.
Nessa perspectiva, Silva (1990, p. 93) caracteriza a luta pela reforma agrária como uma “mudança na estrutura política do campo, sob a qual se assenta o poder dos grandes proprietários da terra”. O autor ressalta ainda que a discussão que envolve a reforma agrária são as consequências do procedimento de desenvolvimento.
Dessa maneira, no que se refere às consequências na implementação da reforma agrária, inclui-se as preocupações em proteger o meio ambiente, dado que as atividades exercidas no campo para fins de produção agrária exigem os recursos naturais. Dito isto, no próximo tópico, será abordado importantes conceitos constitucionais de matérias que devem ser consideradas no procedimento de licenciamento ambiental, sendo este importante instrumento que possibilita o exercício de atividades dentro do contexto ambiental.
3. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Por ser muito recente a implantação de regras para aquisição de licenciamento ambiental, fica perceptível que algumas mudanças já estão em vigor aqui no Brasil. Neste tópico faremos uma breve explanação sobre as normas, regras e procedimentos que os empreendedores devem submeter para conseguir a sua licença.
Inicialmente, importa compreender a questão ambiental no contexto da reforma agrária. Anteriormente tratado, entende-se que a reforma agrária emprega condições que visam proporcionar proteção ao meio ambiente, por assim dizer, a sua exigência no atendimento da função social da propriedade enquadra como critério a conservação dos recursos naturais. Essa determinação fora iniciadora da proteção ao meio ambiente no contexto da reforma agrária, estabelecendo assim a concepção do desenvolvimento sustentável.
Ainda, merece ser lembrado que, através da Constituição Federal de 1988 houve a determinação de diretrizes ambientais que intencionavam a efetiva proteção ambiental e, dessa maneira, a preocupação em garantir a proteção ambiental alcançaram também a esfera agrária do País, culminando para o surgimento do licenciamento ambiental aos projetos de implementação de reforma agrária.
Segundo Antunes (2019), qualquer processo de empreendimento econômico que venha fazer uso de recursos naturais e possui potencialidade nociva ao meio ambiente, antes de tudo deverá ser feito o processo de licenciamento, pois se faz necessário avaliar os procedimentos tecnológicos dentro do contexto ambiental para que danos ambientais sejam evitados. Feito esse controle e análise, poderá ser concedida a licença ambiental.
Neste aspecto, Souza et al. (2020) explana acerca da competência de o Poder Público ordenar e controlar as atividades que são potencialmente nocivas ao meio ambiente, visto que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos e, portanto, faz-se necessária a autorização prévia do Estado para a utilização incomum dos recursos naturais.
Conforme o artigo primeiro da Resolução do CONAMA Nº 237/97, o licenciamento ambiental é definido como um procedimento administrativo que compete a um órgão ambiental conceder a licença de instalação, ampliação e operação de determinados empreendimentos e atividades que fazem uso dos diversos recursos ambientais, após o cumprimento de normas procedimentais e que se aplicam em cada caso.
De acordo com Souza et al. (2020), o licenciamento ambiental é um dos principais mecanismos de efetivação do princípio da prevenção, pois a aplicação desse princípio no procedimento de licenciamento ambiental possibilita verificar possíveis danos ambientais. Dessa forma, verifica-se a possibilidade de se aplicar condições e requisitos na operação da atividade, caracterizando assim a prevenção.
Acerca do princípio da Prevenção, Antunes (2019) discorre: o princípio da prevenção aplica-se aos impactos ambientais já existentes, e mensurar um conjunto de casualidades nas quais seja possível identificar possibilidades de causar impactos futuros. Se considerarmos todo o processo que deve ser feito para adquirir o licenciamento ambiental, ele se torna o principal instrumento para prevenir e evitar danos assim como minimizar os impactos que determinada atividade pudesse causar ao meio ambiente, caso não fosse submetida a uma verificação para a aquisição de licenciamento ambiental.
Este princípio fundamenta estudos para o licenciamento ambiental, analisando os riscos ambientais conhecidos e impedindo possíveis danos ao meio ambiente. Dessa forma, a aplicação desse princípio no procedimento de licenciamento assegura o meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois o efeito em analisar os riscos e prevenir danos resulta em proteção e preservação ambiental.
O processo de licenciamento ambiental para ser desenvolvido precisará contemplar diversas etapas perante diferentes órgãos públicos de níveis políticos administrativos diversos. Além disso, poderão ser adotados procedimentos obrigatórios para o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras (ANTUNES, 2019).
Com relação às etapas do procedimento administrativo de licenciamento ambiental, a resolução da CONAMA 237/97 apresenta: Apresentação ao órgão competente pelo empreendedor dos documentos, projetos e estudo ambientais imprescindíveis para requerer a licença de interesse; dar a devida publicidade dos documentos apresentados e o requerimento da licença; análise pelo órgão competente e vistorias técnicas; solicitação de esclarecimentos caso necessário, após a análise dos documentos, tais esclarecimento podem ser solicitados novamente, caso não tenham sido satisfatórios; possibilidade de audiência pública; parecer técnico e jurídico caso seja necessário; e, por fim, deferimento ou indeferimento da licença.
Cabe relatar que não são todas as atividades que precisará de licenciamento, apenas aquelas que venham fazer uso de recursos naturais e que são consideradas efetiva ou potencialmente nocivas ao meio ambiente (SOUZA et al., 2020).
No que concerne ao licenciamento ambiental, é interessante salientar que a lei complementar nº 140, de 2011, trouxe nova redação ao art. 10, caput, da lei 6.938/1981, dispondo o seguinte:
A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.
Souza et al. (2020) elucida que o licenciamento ambiental não se confunde com a licença ambiental, sendo esta última o ato final do procedimento de licenciamento. Portanto, para melhor compreensão, destaca-se a seguinte definição sobre licença ambiental expressa na Resolução 237/97 do CONAMA, em seu art. 1º:
II - Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental;
Dos conceitos supracitados, interpreta-se que o procedimento de licenciamento objetiva a concessão das licenças ambientais. Isto posto, a Resolução do CONAMA 237/97, em seu artigo oitavo, dispõe que as licenças ambientais classificam-se em três diferentes espécies, sendo elas: Licença Prévia – concedida na fase preliminar, que aprova a localização e concepção atestando a viabilidade dos requisitos básicos que deverão ser atendidos nas próximas fases; Licença de Instalação - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade que se encontram de acordo com as especificações iniciais; Licença de Operação - autoriza a operação do empreendimento, tendo em vista o devido cumprimento de todas os requisitos.
Cumpre destacar que, as normas aplicáveis concernentes ao licenciamento ambiental podem variar de acordo com os diferentes estados e municípios que estejam outorgando determinada licença ambiental, não existindo assim um sistema nacional de licenciamento ambiental. Assim sendo, o licenciamento ambiental acontece perante a Administração Pública, submetendo-se aos princípios reitores da Administração Pública tipificados na Constituição Federal de 1988 (Antunes, 2019).
Nessa linha, Antunes (2019, p. 69) observa a exigência constitucional do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, em que é determinado o dever de realizar um estudo prévio de impacto ambiental, bem como acentua que compete ao Poder Público exigir esse estudo. Além disso, o autor interpreta que:
A norma constitucional é clara e não admite outra interpretação: os estudos de impacto ambiental devem ser exigidos antes da instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. A Constituição não exige, e nem é o seu papel fazê-lo, que o Estudo Prévio de Impacto Ambiental seja apresentado logo no início do processo de licenciamento ambiental, ou seja, antes mesmo da concessão de LP.
Nesse sentido, a legislação claramente regulamenta que os estudos de impacto ambiental devem ser requeridos previamente, isto é, fica obrigado ao Poder Público exigir o estudo de impacto ambiental antes da instalação da atividade potencialmente nociva ao meio ambiente.
Importa ainda ressaltar o que fora pontuado por Souza et al, (2020), no qual destaca a imprescindibilidade de que, antes de iniciar quaisquer atividades que possam causar impactos ao meio ambiente, seja realizado o licenciamento. Todavia, o autor destaca que, a lei não delimitou aspecto temporal para exigência de licenciamento ambiental, isto é, pode-se realizar o licenciamento mesmo após o início do empreendimento.
Concernente à reforma agrária, o licenciamento ambiental deste programa de regularização fundiária passou por diversas modificações em suas disposições legais, no qual houve a simplificação do procedimento de licenciamento.
Observa-se então a Resolução CONAMA nº 458/2013, que simplifica o procedimento de licenciamento ambiental em assentamentos da reforma agrária, conforme está disposto no art. 4°, no qual destaca que “serão passíveis de regularização, mediante procedimento de licenciamento ambiental simplificado, os empreendimentos de infraestrutura já existentes e as atividades agrossilvipastoris já desenvolvidas passíveis de licenciamento”.
Com relação a definição da Licença Ambiental Simplificada - LAS, tem-se que sua concessão é antes de implantar qualquer empreendimento ou atividade, tendo sua aplicação à empreendimento ou atividades de pequeno ou micro porte e baixo potencial poluidor, estabelecendo as condições e medidas de controle ambiental que deverão ser atendidas. Será realizada em apenas uma fase, em que atesta a viabilidade ambiental, aprova a localização e autoriza a implantação e a operação de empreendimento ou atividade. (PNLA, 2018)
Nesse aspecto, cumpre tratar da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5.547, proposta pela Procuradoria-Geral da República, no qual sustenta que é inconstitucional o licenciamento simplificado dos assentamentos da reforma agrária:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO CONAMA Nº 458/2013. CABIMENTO. OFENSA DIRETA. ATO NORMATIVO PRIMÁRIO, GERAL E ABSTRATO. PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTA. DIREITO FUNDAMENTAL. PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO E DA PRECAUÇÃO. FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE. PROIBIÇÃO DO RETROCESSO. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. 1. A Resolução impugnada é ato normativo primário, dotada de generalidade e abstração suficientes a permitir o controle concentrado de constitucionalidade. 2. Disciplina que conduz justamente à conformação do amálgama que busca adequar a proteção ambiental à justiça social, que, enquanto valor e fundamento da ordem econômica (CRFB, art. 170, caput) e da ordem social (CRFB, art. 193), protege, ao lado da defesa do meio ambiente, o valor social do trabalho, fundamento do Estado de Direito efetivamente democrático (art. 1º, IV, da CRFB), e os objetivos republicanos de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (Art. 3º, I e III). 3. Deve-se compreender o projeto de assentamento não como empreendimento em si potencialmente poluidor. Reserva-se às atividades a serem desenvolvidas pelos assentados a consideração acerca do potencial risco ambiental. Caberá aos órgãos de fiscalização e ao Ministério Público concretamente fiscalizar eventual vulneração do meio ambiente, que não estará na norma abstrata, mas na sua aplicação, cabendo o recurso a outras vias de impugnação. Precedentes. 4. É assim que a resolução questionada não denota retrocesso inconstitucional, nem vulnera os princípios da prevenção e da precaução ou o princípio da proteção deficiente. 5. Ação direta julgada improcedente.
(STF - ADI: 5547 DF 4001523-31.2016.1.00.0000, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 22/09/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 06/10/2020).
Assim sendo, o Supremo Tribunal Federal -STF julgou improcedente a Ação direta julgada, declarando assim a constitucionalidade da Resolução do CONAMA nº 458/2013, em que é estabelecido o licenciamento simplificado em assentamentos da reforma agrária. O ministro Edson Fachin, relator do referido processo, interpretou que o licenciamento simplificado torna o processo mais eficiente sem deixar vulnerável a proteção ao meio ambiente (STF, 2020).
Portanto, entende-se que o procedimento de licenciamento ambiental visa licenciar a operação de atividades dentro do contexto ambiental que possam ocasionar danos ao meio ambiente. Resta então inteirar-se acerca do desenvolvimento socioeconômico e a proteção ao meio ambiente, para então compreender a imprescindibilidade do licenciamento ambiental.
4. INTERAÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO E A PROTEÇÃO AMBIENTAL
Um dos fins da reforma agrária é o desenvolvimento socioeconômico, tomando como ponto de partida esse pressuposto e ajustando com o que a Lei determina, não se pode existir desenvolvimento socioeconômico sem que esteja atrelado à responsabilidade social.
De acordo com Milaré apud Borba (2014, p. 26) o “desenvolvimento sustentável enseja claramente a necessidade de se procurar um equilíbrio ou harmonia entre os fatores sociais, ambientais e econômicos, ao exigir-lhes proporção adequada e racional, sempre em busca da qualidade de vida”. Nesse sentido, entende-se que o desenvolvimento sustentável é a conciliação do desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental.
Frente a esse contexto, podemos então discorrer sobre o princípio do desenvolvimento sustentável conforme Souza et al. (2020, p.19):
Segundo o princípio do desenvolvimento sustentável, considerado o “prima principium” do direito ambiental, o desenvolvimento socioeconômico da nação deve ser necessariamente conciliado com a proteção ao meio ambiente, mediante a utilização racional dos recursos naturais não renováveis e visando a melhoria da qualidade de vida do homem. intenciona-se, assim, por esse princípio, melhorar a qualidade de vida dos seres, respeitando a capacidade de suporte dos ecossistemas.
Nesse sentido, entende-se que o referido princípio ressalta a importância do desenvolvimento socioeconômico em conciliação com a preservação do meio ambiente. Mesmo sendo importante o desenvolvimento socioeconômico da nação, o meio ambiente não deve ser negligenciado, isto é, o aspecto socioeconômico não pode crescer em detrimento do aspecto ambiental. Por isso, torna-se fundamental o uso responsável dos recursos naturais.
A Constituição Federal (BRASIL, 1988) em seu artigo 225, versa acerca do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e assim dispõe: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A presente norma estabelece que a humanidade fica obrigada a preservar e cuidar do meio ambiente e que compete tanto ao poder público quanto à sociedade a responsabilidade de protegê-lo. Para efetivar, e assegurar esse direito a todos, Estado e comunidade civil, deve-se o cumprimento dos preceitos normativos estabelecidos na Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, a necessidade de garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado resultou na separação de um ramo específico do direito voltada apenas para as questões ambientais, que ordena sobre a utilização dos recursos naturais e disciplina as atividades executadas pelo homem no contexto ambiental. Antunes (2019, p. 18) conceitua o Direito Ambiental como “um conjunto de normas baseadas no fato ambiental e no valor ético ambiental, cujo objetivo versa em disciplinar as ações do homem no meio ambiente”.
Nesta perspectiva, infere-se que houve a necessidade de estabelecer normas específicas para ponderar e limitar a ação do homem sobre o meio ambiente, visto que a ausência de diretrizes para as atividades humanas sobre os recursos naturais pode ocasionar grandes danos ambientais. Portanto, tendo em vista as preocupações com o meio ambiente, torna-se fundamental o procedimento Administrativo de Licenciamento Ambiental, este definido na Resolução Nº 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como descrito no transcorrer deste artigo, o cenário histórico evidencia a má política na distribuição de terras no território nacional e, por isso, a necessidade de regularização fundiária trouxe a implementação do programa de reforma agrária no país. Este programa traz importantes premissas relacionadas diretamente com as questões ambientais, uma vez que, o cumprimento da função social da propriedade rural está condicionado ao uso adequado dos recursos naturais disponíveis, bem como à preservação do meio ambiente.
Neste aspecto, considerando a intervenção humana sobre o meio ambiente para fins de desenvolvimento socioeconômico, surgiu então a necessidade de licenciar as atividades ou empreendimento. Logo, o procedimento de licenciamento ambiental é tido como um dos principais instrumentos de efetivação do princípio da prevenção, por isso importa sua aplicação. Todavia, concernente ao procedimento de licenciamento ambiental simplificado em face da reforma agrária, ainda não há estudos significativos quanto a sua efetividade.
Desta maneira, como encerramento e conclusão deste estudo é imprescindível entender o liame entre a reforma agrária e o procedimento de licenciamento que juntos buscam garantir a preservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico, bem como os conceitos e os principais aspectos legais.
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins - UNICATOLICA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, BIANCA ANDRADE. Aspectos legais do licenciamento ambiental em face da reforma agrária como garantia da preservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2021, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /57679/aspectos-legais-do-licenciamento-ambiental-em-face-da-reforma-agrria-como-garantia-da-preservao-ambiental-e-desenvolvimento-socioeconmico. Acesso em: 29 dez 2024.
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